sábado, 31 de dezembro de 2011

Se não me falha a memória...

Sempre preferi o doce ao salgado, mas de uns tempos para cá, comer doces passou a ser um desejo quase incontrolável. Não qualquer doce, mas alguns em especial.

Depois de uns quilos a mais e o índice de açúcar nas alturas, resolvi procurar uma explicação para essa voracidade.

Comecei esbarrando naquelas hipóteses óbvias e já há muito conhecidas como a compulsão, a ansiedade, a depressão, e por aí afora...

Mas por que procurar justificar um prazer como se houvesse um motivo amargo a ser compensado por uma doçura? Por que não se deliciar com o prazer, simplesmente?

Tentei, então, fixar a atenção no que acontecia enquanto saciava algum daqueles desejos. Percebi que em muitas vezes chegava a fechar os olhos para viajar nas lembranças que um determinado sabor me trazia.

A geléia de cassis, os bombons recheados de licor ou as cerejas ao vinho do Porto, por exemplo, são sabores que me trazem nítidos detalhes de momentos muito especiais vividos numa paixão.

O marzipã é outro sabor marcante que me surpreende por me levar ainda mais longe, fazendo-me lembrar do cheiro que recendia pela casa dos meus avós, onde passei minha infância.

São tantas e tão boas as lembranças que encontro em tortas de chocolate com bolachas Maria, em amendoins açucarados, em cremes de baunilha, em bananas fritas com açúcar e canela — só para citar alguns —, que é preciso admitir que muitos dos meus melhores momentos foram compartilhados com doçura.

Doces sabores, doces lembranças? Estaria aí a explicação da gula pela glicose? Se for preciso explicar, Freud explica!

Por enquanto, é um alívio saber que ainda posso desfrutar da memória do paladar recuperando muito do que minha memória já perdeu pelo caminho!

E é a Ciência que confirma: as células do paladar e do olfato são as únicas do sistema nervoso que são substituídas quando velhas ou danificadas.

Nem tudo está perdido!

(Crônica de Lena Chagas, publicada na 7ª Antologia dos Anjos de Prata - 2006).

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