domingo, 16 de novembro de 2014

Sem Tempo

É uma desculpa esfarrapada. Posso dizer até que é uma grande mentira. Mas a frase está sempre pronta, na ponta da língua, sempre que preciso dela. É só adequá-la à situação, pois o tema é sempre o mesmo: falta de tempo. 

Estou sempre a procura de tempo para voltar a ler aquele livro, marcado na página onde a história esfriou um pouco e desviou minha atenção. Nunca encontro tempo para pôr em ordem aquelas roupas, já sem uso, empilhadas naquele armário do canto. Nos almoços das quartas-feiras, que os ex-colegas de trabalho organizam, há anos, não fui uma só vez, porque sempre me falta tempo. Ainda não sobrou tempo para cuidar de mim, caminhar regularmente, tomar dois litros de água por dia. Terminar os textos deixados pela metade, renovar a terra dos vasos, mudar as plantas do jardim, visitar velhos amigos e bater papo furado, também são coisas que abandonei por falta de tempo.

Em busca por mais tempo para isso ou para aquilo, já virou obsessão. É quase uma doença. Outro dia, flagrei uma atitude minha que me fez chegar a essa conclusão. Estava na praia, de férias, num ócio absoluto, quando uns amigos ligaram para que eu fosse encontrá-los em um restaurante, onde já esperavam por mim. "Agora, não dá mais tempo!", eu disse. "Como assim? Não dá mais tempo pra quê?", perguntou a voz atônita? Mais surpresa fiquei eu, por não saber a resposta!

Mas não foi sempre assim. Já houve época em que essas queixas não existiam. Acho que não havia tempo para elas. Saía antes das 7h da manhã para ir para à Universidade, não almoçava porque tinha de "bater o ponto" no trabalho ao meio-dia, voltava às aulas às 7h da noite, e só chegava em casa perto da meia-noite. E às vezes, nem dormia. O resto da madrugada eu usava para estudar ou aprontar um trabalho a ser entregue naquela manhã. Bons tempos aqueles!

Hoje, parece que a falta de tempo passou a ser o grande pretexto para que eu me sobrecarregue de tempo. Acumulo tempo como um sovina acumula dinheiro: ele não gasta nunca e não sabe quando nem como vai gastar o dinheiro que guarda. Não dá e nem empresta para ninguém. Não gasta nem com ele mesmo! Quanto mais tem, mais reclama que está sem. Analogia idiota? Pode ser.

Mas verdade seja dita: foi por absoluta falta de tempo que eu não escrevi sobre o tema desta semana: Tempo. 


(Crônica de Lena Chagas, publicada no site dos Anjos de Prata, em 10.01.2002).

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