quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Criança Inventa Cada Uma!

Às vezes, não parecia que havia criança em casa. Filho único acostumado a brincar sozinho, ficava horas e horas montando e desmontando Lego ou transformando algum eletrodoméstico estragado e sem conserto, em outra coisa qualquer. Estava sempre inventando ou refazendo algo.

Já inventou uma forma de abrir a lata de lixo com um simples toque num botão, na parede; um carro-robô que carrega suco sem derramar; pipoqueira, ventilador e leitora de cartões, todos à bateria; cofre ou caixa-forte com segredo (impossível descobrir como se abre aquilo!); banco eletrônico (com sinal sonoro na saída das cédulas (em miniatura)); um sistema interno de tv que liga quando a luz do ambiente é acesa; e tantas outras geringonças que, em seguida, voltavam a ser sucata ou peças e motores do Lego. Assim como as criava, ele as destruía, mas com maior velocidade. Principalmente se surgisse uma nova ideia.

E ele também inventava histórias. Algumas, mirabolantes, em que ele aparecia como espectador, quase sempre encobrindo uma travessura. Só se incluía nela quando o desfecho lhe favorecia. Se aparecesse quem o escutasse com interesse, então, a história crescia. E o entusiasmo dele também.

Sua imaginação vem de longe. Gostava de inventar palavras desde bem pequeno. Se não inventava, ele emendava um pedaço de uma em outra, até encontrar a que traduzisse o que queria dizer. Só não as guardava. Mas ainda me lembro de uma ou duas: subsolático (nome do avião que ele inventou 'para ser movido com energia solar', como dizia); piferroz (prato preferido dele: purê, bife, feijão e arroz). Outras tantas já se perderam, caíram no esquecimento. Nem ele as lembra mais.

Mas uma ainda resiste. Começou em uma frase, depois em duas palavras e hoje é menos que uma 'palavra-valise', embora carregue o mesmo conteúdo.

Quando o ouvi dizendo pela primeira vez, ele devia ter 5 ou 6 anos e eu nem acreditei: "-Ho-je-eu-não-ga-nhei-ca-ri-nhô!" Bem assim, num só fôlego, mas pausadamente, e com ênfase na última sílaba. Explícita, sem sutilezas, e ainda com ritmo! Era assim, puxando na barra do meu vestido, ou encostando a cabecinha no meu joelho, ou sentando no meu colo, que ele pedia o carinho (a mais) de cada dia.

Hoje, adolescendo rápido e falando mais rápido ainda, inventando coisas e modos enquanto muda de voz, sempre me alegra e surpreende, quando pede o carinho que a cada dia tem menos tempo ou paciência de receber: "-nhô!" Pieguices à parte, eu adoro!

(Crônica de Lena Chagas – Publicada no site Anjos de Prata - 2005)

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