quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A verdade da mentira

Ao que se sabe a humanidade sempre conviveu com a mentira. Platão já teorizava sobre o uso autorizado da mentira na política, referindo-se a duas espécies de mentira: uma moralmente admitida - ou mentira útil -, e outra absolutamente condenável, a mentira autêntica. Nietzsche escreveu que o homem precisa de mentiras. O poeta T. S. Eliot acrescentou que o ser humano não suporta muita realidade. Proust afirmava que a mentira é essencial à humanidade.

Percebemos, de fato, que a maioria das pessoas é tolerante com as chamadas mentiras convencionais e mentiras sociais - desde que não ofensivas nem mal intencionadas, e até mesmo concorda que, muitas vezes, a mentira se faz necessária ou se justifica. A tolerância a essas mentiras será maior ou menor conforme os valores morais e éticos de cada um, e, quase sempre, visando evitar conflitos.

Mas o assustador, em nossos dias, é que a mentira assumiu uma dimensão institucional, esfacelando toda a estrutura ética do sistema e aniquilando, de vez, com a já frágil credibilidade. A mentira se justifica sempre que estiverem em jogo os interesses e/ou a sobrevivência dos poderosos. Ninguém é ingênuo ao ponto de acreditar que a verdade e a ética são virtudes inerentes e inabaláveis da política. Ao contrário. Mas monopolizar o discurso e as atitudes em bases fictícias ou negar o óbvio é, para dizer o mínimo, um deboche.

E esse comportamento na área política e governamental, que se nos escancara, todos os dias, nos meios de comunicação do país banalizou-se de tal forma, que criticar o mentiroso é correr o risco de ser vaiado; dependendo do protagonista pode até resultar em processo por dano moral.

Com esse aval, o mentiroso sente-se seguro para demonstrar seu espanto arrogante frente à queixa ou indignação de quem o flagrou na mentira. Alguns, tão acostumados à prática mentirosa - ao ponto de acreditar nas próprias mentiras -, chegam a derramar lágrimas sobre os brios feridos, ofendidíssimos pela acusação que alegam estar sofrendo.

Do lado de cá, pagando por esse espetáculo nefasto, seguimos passivos a assistir, estarrecidos e impotentes, lamentando a certeza de que, se não nas brechas da lei, o mentiroso encontrará amparo no colo da impunidade.

É trágico reconhecer que estamos sendo vencidos pela fraude que se instalou na nação, e que já nos parece demasiado enfadonho procurar a verdade, pois uma vez encontrada nunca nos é satisfatória. Enquanto ficamos embevecidos com o empenho das autoridades em busca da verdade, a mentira continua fazendo seu show. E a julgar pelo cenário, sempre haverá aplausos.

(Crônica de Lena Chagas, publicada na 9ª Antologia dos Anjos de Prata – 20 de outubro de 2009)

Nenhum comentário: